segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Youtube X Evolution of Dance X Keith Hennessy

Porque às vezes uma "pelea" youtubiana bem humorada também pode ser uma conversa interessante. 


O texto original do Keith Hennessy (em inglês), tá nesse link aqui:


Aqui segue uma tradução livre. Cada título é também um link para o respectivo vídeo:

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Top 10 do Youtube, Jan 2011 (Keith Hennessy)

Menestréis do Pop, dominação corporativa e fantoches adolescentes:

Um rápido olhar para o top 10 dos sucessos de todos os tempos do Youtube (a partir de 1º de janeiro de 2011)

Eu acabei de assistir ao top dez de todos os tempos do Youtube, DE MODO QUE VOCÊ NÃO PRECISA FAZÊ-LO (grifo sugestivo do tradutor). Ainda existe conteúdo DIY (do it yourself – faça você mesmo) no Youtube, mas o top dez é mais uma história de dominação pelo maquinário da cultura Pop, construindo e explorando quase que cada clique de acesso dos adolescentes ao computador global.

Aqui está o link, caso você queira assistir enquanto lê¹:

Mais de 400 milhões de acessos para as reproduções banais de xarope de milho heteronormativo (da GMO é claro) desse fantoche pop. Quem ensina as crianças a repetirem tal porcaria ridícula do tipo “achei que você seria minha pra sempre”? E não é constrangedor cada vez que um pop star branco fica tão famoso que eles podem pedir pra praticamente qualquer (claro que não o Prince ou a Mary ...) artista negro aparecer em seus vídeos? E o que dizer da punhetação² entre baby J. e seu interesse amoroso, a levemente mestiça e ainda assim exótica (é claro!) estrela “teen” em ascensão, Jasmine V.? A guerra dos sexos na dança é, ao mesmo tempo, banal e arquetípica, e embora seja um momento não representativo, eu gostei bastante da b. girl que chama para a briga. Mas a punhetação é totalmente desnecessária, irritante de fato, nas suas implicações de que uma pequena briga é tudo de bom nesse novo mundo-arco-íris onde todas as cores jogam boliche e dançam hip hop juntas. E onde a diferença sexual é tanto apagada (garotos e garotas são iguais e não são diferentes, realmente) quanto reforçada estruturalmente (garotas ainda são não iguais e bem bem diferentes dos garotos). Uma dinâmica similar de hegemonia/apagamento (onde não podemos reconhecer a desigualdade de poder, porque todo mundo parece ser tão legal e amigável) explica a simultaneidade de unidade racial e supremacia branca codificada em quase cada momento do vídeo. Porque alguém se anima com a péssima dança do Bieber é algo assombroso. Ah sim, isso faz sua fofura parecer ainda mais fofa, porque ele é tipo frágil e sensível e branco e o caralho a quatro. O “status” de melhor amigo do Bieber vai claro para um jovem negro, o que é reforçado pelo carnaval da dominação big brother do Ludacris (quem bota quem pra rebolar por cima?³). A imagem final de toques de mão legais com Ludacris e a saída-de-cena-de-mãozinhas-dadas com a, repentinamente, clemente e entregue Jasmine V. completa a pobre fantasia do garoto branco e hétero.

Pergunta: As apropriações do Bieber de “cantoria” e “tipão” de preto são piores do que os Beatles no início? Se não, há alguma chance dele tomar ácido, passar um tempo na Índia e surgir com algo do tipo Revolution 9 ou John’s working class hero?

(Como Justin, eu sou canadense e nós não deveríamos criticar nosso próprio povo na frente dos americanos. É uma coisa de canadense, vocês não...)

Notas:
1 - Provavelmente o link está atualizado e não mostra mais o mesmo conteúdo, mas, apesar de o foco dessa conversa ser o vídeo “Evolution of Dance”, você pode procurar os outros vídeos separadamente no Youtube.
2 – Traduzi “pushing” como punhetação porque tem essa ideia infantil do empurra-empurra de meninos e meninas que se vêem como clãs rivais.
3 - Referência à letra da música Block lockdown, do Ludacris: I got permission to put ya mamma in a headlock (what?) / Eu tenho permissão pra botar sua mãe pra rebolar por cima (o que?) – daí traduzir “who’s got whom in a headlock?” como “quem bota quem pra rebolar por cima?”

Mais de 300 milhões de visualizações. Esse vídeo é bem mais difícil de odiar do que a maquinaria disfarçada pela máscara do Justin Bieber, apesar de não ser menos estereotipado. Gaga curte brincar com sua construção social e até geralmente curte lutar contra isso; de qualquer forma, ela deixa a gente saber que ela ta nessa. Lady G. faz, em cerca de 2 minutos, tudo que a Madonna levou 10 anos pra fazer, descaradamente catando e referenciando em uma velocidade vertiginosa. Durante os 5 minutos de espetáculo eu me lembrei da Julia Kristeva (mulher como monstro), Leigh Bowery (os sapatos e algumas das peças mascaradas), Madonna, cultura de baile (bath haus of gaga), Marilyn Manson, Michael Jackson (os zumbis de Thriller emergindo das tumbas/câmaras de bronzeamento artificial), UK latex/rubber SM fashion, Damian Hirst (excesso de diamantes), RuPaul (walk walk baby – repete).

Pontos a menos por toda a dança frontal sincronizada que realmente coloca a dança em uma estética pop reacionária, anacrônica quando situada no contexto das artes visuais e de moda mais contemporâneas do clipe. E mais pontos a menos pelo Nemiroff e outros produtos fixados, apesar do puro cinismo dessa merda promocional ser um tipo de húbris radical que poderia agradar algumas perspectivas.

Mais de 270 milhões de acessos para a canção oficial da Copa do Mundo de 2010 – o evento de esportes mais popular do mundo. Outra pessoa constrangedora do tipo branca dançando num contexto meio africanista. Stuart Derdeyn, do jornal The Province, referiu-se a Waka Waka como “vômito sônico” (o que poderia também descrever a golfada do implacável hiper-consumismo capitalista da música de Justin Bieber).

Nascida na Colômbia, descendente de Europeus e Libaneses, Shakira performa o cidadão universal (branqueado) num mundo pacífico e harmonioso que de alguma forma respeita e reflete uma África que os espetáculos da economia mundial dispensaram há muito, como se fosse uma privada pra sua merda tóxica.
“As pessoas estão aumentando suas expectativas. Hoje é o seu dia, eu posso sentir. Você construiu o caminho, acredite. Se você cair, levante-se.”

Waka Waka, baseada em uma música camaronesa, inclui elementos da música colombiana e afro-caribenha, suportado por uma banda sul-africana, em uma grande e feliz “papinha para bebê” de música liberal humanista. O título significa “faça” e tem todo o significado vazio do slogan da Nike. Esse vídeo/música/propaganda é banal, barato e repetitivo, demonstrando menos da metade do esforço dos projetos do Paul Simon na África do Sul. É conveniente que a última linha seja transmitida com o volume diminuindo para nada: Somos todos África, somos todos África...

Assistir a esse vídeo me dá esperanças de que algum tipo de valores e inspiração revolucionários são possíveis com o Youtube e o mercado de massa de livre (alienado, explorado) conteúdo fornecido pelo consumidor. De verdade. Ver o deleite oprimido de morder a mão que alimenta. Ver o domador de leões revelar que ele não controla de fato as mandíbulas do leão, onde ele colocou sua cabeça estúpida. Charlie mordeu seu dedo e ele fará novamente. Abafados pelos padrões da classe dominante, os gemidos e risinhos do Charlie expõem o monstro por trás de sua fachada infantilizada. Uma parábola de um minuto sobre o Império Britânico, ainda tentando manter o decoro enquanto os selvagens sentam nos seus colos.

Essa é a versão crescida da punhetação adolescente do Bieber. A punhetação aprimorada como violência frustrada completa-se com a mulher cuspindo na cara do homem, é claro seguido daquela flertada vigorosa e ofertas de paz com animaizinhos de pelúcia.

Agora eu sei que dissemos coisas / Fizemos coisas / Que não quisemos dizer e fazer
A nós regredimos / Para os mesmos padrões / Mesma rotina
Mas seu temperamento é tão ruim / Quanto o meu / Você é como eu

Eminem escreveu essa história antes. Eu te amo. Eu te odeio. Se você tentar ir embora eu vou amarrar você na cama e colocar fogo na casa. Eu sei que tenho tendências violentas e que vou sempre terminar mentindo. Mas parece que ele está em piloto automático aqui, em falta com aquela fragilidade perigosa que ele representou antes de ser tão avolumado de corpo e de conta bancária.

Vale à pena exaltar que as personagens nesse vídeo não são ricas. Elas não vivem em um mundo idealizado de crianças-unidas-arco-íris. Não há referências à passarela de moda da classe dominante. A não tem dancinha estúpida. Momento performativo preferido é o Eminem como pano de fundo pra Rihanna enquanto ela canta o refrão, e ela dança sozinha atrás do Eminem enquanto ele rima.

Eu tenho uma queda por esse tipo irado sensível fodido de classe baixa. Eu tenho. Eu acho que poderia rolar entre a gente. Eu iria acalmar os ânimos dele e ainda dar espaço pra ele pirar. E ele sabe disso. É por isso que ele flerta com e defende a viadagem/Elton/Bruno, só pra mostrar pra gente que ele pode, que ele é homem o suficiente. Tem algo dramático, talentoso e desprezível sobre Eminem e Rihanna e eu acho que é sexy que seus RPs (relações públicas) mantêm eles, um do lado do outro, sem qualquer esforço de mascarar um relacionamento. Essa é a conexão mais honesta que eu vi até agora nesses primeiros 5 vídeos super-visualizados.

Dois garotinhos brancos jogando vídeo game são interrompidos quando JB recebe uma ligação do Usher. O que? Então uma cantoria de merda surge com imagens de uma festa cheia de pré-adolescentes e um pouco de espuma de carnaval. Eu pulo pra frente, uma garota de shortinho beija o JB na bochecha. Usher aparece, examina a cena como se fosse uma dama de companhia. O riquinho olha pra gente, ergue os braços acima da cintura pra dizer opa, essa merda é de verdade, Usher e eu estamos no topo do mundo. Essa música e vídeo podem ser xarope melado mas não ofendem como Baby.

Botas de cowboy, carros americanos, uma aliança arco-íris de mulheres gostosas, uma referência à uma música do Jay-Z. Uhum é uma festa na América. Isso é música country pop, sob influência de Britney e fórmula Pop. A penca de estrelas e listras se espalham para lembrar os conterrâneos de que tá tudo OK, apesar da socialização multiracial e b.boys acrobáticos contagiantes. Miley Ray Cyrus nasceu Destiny Hope Cyrus¹ em 1992. De alguma forma isso diz muito.

Notas:
1 – “Destiny Hope” (nome e sobrenome de Miley Cyrus), literalmente, significam destino/sorte e esperança. Segundo o Wikipedia, “Ela foi registrada como Destiny Hope porque seus pais acreditavam que ela iria trazer coisas boas”.

170 milhões de visualizações para a nova cara recauchutada do Eminem. Que porra é essa? A mesma escultura de queixo que Michael Jackson tentou vestiu. Eu sinto falta do carão redondo dele. Ele se olha em vários espelhos e toca seu rosto, e pensa sobre o que está acontecendo. Tá bom. Então ele se lança contra o espelho, mas não rola uma libertação/transformação de Tommy, apesar da sequência de vôo em CG (computação gráfica) que segue. Eminem está sozinho aqui, não há mulher para culpar ou para se envergonhar, não há pobreza ou falta de poder para falar mal.

Parecendo mais com Bieber ou Cyrus do que Eminem, o refrão vomita lindamente: “Eu não tenho medo de me posicionar. Segura minha mão. Você não está sozinho”. Essa cagada pop insulta o poema que uma vez foi uma ira que valia a pena reconhecer.

E enquanto vou sendo nostálgico, eu perco de vista o tempo em que os vídeos mais visualizados do Youtube eram quase todos vídeos de dançarinos em um único take. Laipply é uma estrela original do Youtube e eu fico feliz em vê-lo ainda no top 10 com 160 milhões de visualizações. Eu apostaria que mais pessoas viram “The Evolution of Dance” do que os outros vídeos, assistidos repetidamente por pré-adolescentes conformistas que sabem que cada vez que eles clicam em repetir, eles estão bombando os números.

A dança do Laipply é um deleite. Nós somos supreendidos por um cara branco e careca, robusto o suficiente para fazer a gente pensar que ele não tem rebolado, muito menos um puta senso de humor e um estilo sem vergonha. Ele é um cara qualquer abordando a cultura pop com uma ironia que falta e muito no resto dos vídeos dessa lista. É importante que ele se recuse a dançar a Macarena, mas que deixe a música tocar o suficiente pra nos lembrar que não estamos imunes ao seu contágio. Em sua personificação brincalhona, a imitação é menos representação e apropriação, e mais uma leve citação crítica. Eu quero dizer que não é uma dança e comédia incrível, só que não é uma merda e, de alguma forma é muito bom, falando contextualmente.

Os maiores peitos no top 10. E provavelmente o vídeo menos visto por suburbanas brancas nos EUA. Calle Ocho é uma balada bilíngüe e repetitiva (refrão: eu sei que você me quer, você sabe que eu te quero) com estilos de gangsta rap (peitos, camas ostensivas, peitos, papaizão). Misturando algumas fórmulas e samplers de sucesso de várias fontes, o corpo dessa música é pipocante e divertido. Eu dançaria essa música numa festa e aposto que a maioria de vocês também. Exceto pelos peitos e pelo papaizão, esse vídeo não tem muita coisa. Às vezes o gráfico de uma bandeira cubana cruza a tela.

Calle Ocho é uma rua famosíssima em Little Havana, bairro de Miami. Pitbull é um rapper americano com pais cubanos que supostamente revelaram o pequeno bull (Armando – seu verdadeiro nome) à poesia revolucionária de José Martí.  Os créditos de não-classe-média do Pit incluem tempo em abrigo de menores e tráfico de drogas na adolescência. Ele diz que um pitbull é muito bronco para perder, e é proibido no condado de Dade-Miami, assim como ele.

Eu não conhecia esse artista antes disso aqui. Eu já tinha ouvido falar de Bieber, Cyrus e Shakira, mas nunca os tinha ouvido/visto. Um pouco de Wikipédia vai longe. Eu levei 3 horas para assistir a esses vídeos e escrever estas 2000 palavras.

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